quarta-feira, 28 de março de 2012

 

Em busca do nada
J. R. GUZZO

A palavra provavelmente mais correta para descrever a maior parte das atividades
do governo brasileiro hoje em dia, em português comum, seria "farsa".
Mas é melhor, por prudência e pela cortesia com que se devem tratar
nossas altas autoridades em geral, utilizar alguma coisa mais leve - "ficção", talvez,
é o termo que se aconselha, já que não pode ser entendido como ofensa (Deus nos livre
de uma coisa dessas), e ao mesmo tempo serve para resumir com bastante clareza
a atual conduta do superior comando da nação. Entre as paredes do caixote
de concreto e vidro em que funciona o Palácio do Planalto, é fabricada todos os dias
a impressão de que ali se vive numa colmeia de trabalho sem descanso
e de operosidade sem precedentes; segundo essa visão, apresentada como fato
praticamente indiscutível na propaganda oficial, ainda não foi criado no Brasil
o problema que as prodigiosas qualidades de gerência atribuídas à presidente Dilma Rousseff
tenham deixado sem solução. Mas um metro para fora do Palácio, na vida real que começa na rua,
o mundo dos fatos, indiferente ao que se diz do lado de dentro, mostra o contrário:
nada do que o governo manda resolver, ou quase nada, consegue ser resolvido.

Falta de tempo para mostrar serviço de verdade, do tipo que pode ser visto e comprovado,
com certeza não é. Já faz mais de nove anos que a presidente Dilma está dentro do governo,
no qual dá expediente desde o primeiro dia de mandato de seu antecessor – com a função,
justamente, de ser a tocadora de obras número 1 da República. Alguma coisa de porte,
a esta altura, já tinha de ter aparecido. Mas não aparece. Tão inúteis quanto a passagem
do tempo ou os oceanos de dinheiro que o poder público tem para gastar vêm sendo
as demissões em série na equipe ministerial. Em pouco mais de um ano de governo Dilma,
já foram para a rua doze ministros, mais os lideres no Senado e na Câmara – todos nomeados
por ela mesma, é verdade, incluindo-se aí alguns dos mais notórios candidatos a morte súbita
que já passaram por um ministério na história deste país. Os resultados disso, pelo que se viu
até agora, foram nulos. As demissões, sem dúvida, mostram que a presidente está disposta
a valer-se de sua posição no topo da cadeia alimentar de Brasília – pode mandar qualquer um embora,
e não pode ser mandada embora por ninguém. O problema, tristemente, é que o exercício repetido
de toda essa autoridade não tem sido capaz de gerar nenhum efeito útil para a vida prática do país
e do cidadão. Seja porque Dilma está substituindo tão mal quanto nomeou, seja porque
os novos ministros vivem paralisados pelo medo de perder o seu emprego, o fato é que nenhuma
de todas as trocas feitas até agora resultou num único metro a mais de estrada asfaltada,
ou num poste de luz, ou em qualquer coisa que preste.

O que certamente não falta, nesse deserto de resultados, é a construção de miragens.
Empreiteiras de obras públicas, por exemplo, fazem aparecer na imprensa fotos da presidente
em cima de um carrinho de trem, cercada por um alarmante cordão de puxadores de palmas,
numa visita de inspeção à Ferrovia Norte-Sul. Uns tantos minutos depois, todos voltam a seu carro oficial
ou helicóptero e deixam para trás a realidade. A Ferrovia Transnordestina, por exemplo,
com 1700 quilômetros de extensão, foi iniciada em 2006 e deveria ter sido entregue em 2010;
já estamos em 2012, o custo de 4,5 bilhões de reais pulou para quase 7 bilhões e tudo
o que se conseguiu construir, até agora, foram 10% do percurso.
O petroleiro João Cândido, que começou a ser construído quatro anos atrás para a Petrobras
em Pernambuco, e foi lançado ao mar em 2010 pelo ex-presidente Lula como um prodígio
da nova indústria naval brasileira, voltou a terra firme logo após a cerimônia; continua lá até hoje.
Entre as mais espetaculares obras do PAC, com todos os seus bilhões em investimentos,
inclui-se o "trem-bala" – mas a única coisa que se pode dizer com certeza sobre o "trem-bala",
até agora, é que ele não existe.

A presidente Dilma, que sabe muito bem o que é inépcia, tenta há nove anos achar o caminho
de saída desse vale de lágrimas; pode continuar tentando pelos próximos cinquenta
e não vai encontrar nada. Não vai encontrar porque procura no lugar errado; imagina que a solução
está em criar mais repartições públicas, mais regras, mais controles, mais programas e mais tudo
o que faça um "estado forte". É o tipo de ideia que encanta a presidente. Nunca deu certo até hoje.
Mas ela continua convencida de que um dia ainda vai dar.




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